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Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros tipos de conhecimento existentes. Para tal, analisemos uma situação histórica, que pode servir do exemplo.
Desde a Antiguidade, até aos nossos dias, um camponês, mesmo iletrado e/ou desprovido de outros conhecimentos, sabe o momento certo da semeadura, a época da colheita, a necessidade da utilização de adubos, as providências a serem tomadas para a defesa das plantações de ervas daninhas e pragas e o tipo de solo adequado para as diferentes culturas. Tem também conhecimento de que o cultivo do mesmo tipo, todos os anos, no mesmo local, exaure o solo. Já no período feudal, o sistema de cultivo era em faixas: duas cultivadas e uma terceira "em repouso" , alternando-as de ano para ano, nunca cultivando a mesma planta, dois anos seguidos, numa única faixa. O início da Revolução Agrícola não se prende ao aparecimento, no século XVIII, de melhores arados, enxadas e outros tipos de maquinaria, mas à introdução, na segunda metade do século XVII, da cultura do nabo e do trevo, pois seu plantio evitava o desperdício de deixar a terra em pouso: seu cultivo "revitalizava" o solo, permitindo o uso constante. Hoje, a agricultura utiliza-se de sementes selecionadas, de adubos químicos, de defensivos contra as pragas e tenta-se, até, o controle biológico dos insetos daninhos.
Mesclam-se, neste exemplo, dois tipos de conhecimento: o primeiro, vulgar ou popular, geralmente típico do camponês, transmitido de geração pare geração por meio da educação informal e baseado em imitação e experiência pessoal; portanto, empírico e desprovido de conhecimento sobre a composição do solo, das causas do desenvolvimento das plantas, da natureza das pragas, do ciclo reprodutivo dos insetos etc.; o segundo, científico, é transmitido por intermédio de treinamento apropriado, sendo um conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos científicos. Visa explicar "por que” e "como" os fenômenos ocorrem, na tentativa de evidenciar os fatos que estão correlacionados, numa visão mais globalizante do que a relacionada com um simples fato - uma cultura específica, de trigo, por exemplo.
Correlação entre Conhecimento Popular & Conhecimento Científico
O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do "conhecer". Saber que determinada planta necessita de uma quantidade "X" de água e que, se não a receber de forma "natural”, deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra. Dessa forma, patenteiam-se dois aspectos:
a) A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.
b) Um mesmo objeto ou fenômeno .- uma planta, um mineral, uma comunidade ou as relações entre chefes e subordinados -- pode ser matéria do observação tanto para o cientista quanto pare o homem comum; o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação.
Para Bunge (1976:20), a descontinuidade radical existente entre a Ciência e o conhecimento popular, em numerosos aspectos (principalmente no que se refere ao método), não nos deve fazer ignorar certa continuidade em outros aspectos, principalmente quando limitamos o conceito, de conhecimento vulgar ao "bomsenso". Se excluirmos o conhecimento mítico (raios e trovões como manifestações de desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o "bom-senso" quanto a ciência almejam ser racionais e objetivos: "são críticos e aspiram à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos, em vez de permitir-se especulações sem controle (objetividade)", Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização coerente de enunciados fundamentados a passíveis de verificação, é obtido muito mais por intermédio de teorias, que constituem o núcleo da Ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de partes ou "peças" de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de objetividade, isto é, a construção, de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser alcançada se não ultrapassar os estreitos limites: da vida cotidiana, assim como da experiência particular, é necessário abandonar o ponto do vista antropocêntrico, para formular hipóteses sobre a existência de objetos a fenômenos além da própria percepção o de nossos sentidos, submetê-los à verificação planejada e interpretada com o auxílio das teorias. Por esse motivo é que o senso comum, ou o "bom-senso", não pode conseguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é limitada sua racionalidade, pois está estreitamente vinculado à percepção e à ação.
Características do Conhecimento Popular
"Se o 'bom-senso', apesar de sua aspiração à racionalidade e objetividade, só consegue atingir essa condição de forma muito limitada", pode-se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, latu sensu, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos: "é o saber que preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver procurando ou estudando, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo" (Babini,1957:21).
Para Ander-Egg (1978:13-4), o conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente:
- Superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque o vi", “porque o senti” ,"porque o disseram”, “porque todo mundo o diz";
- Sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária;
- Subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os "por ouvi dizer”;
- Assistemático, pois esta "organização" das experiências não visa a uma sistematização das idéias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las;
- Acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.
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